segunda-feira, 26 de novembro de 2007

sem título

Existe um brilho qualquer num abrir de olhos no escuro, de enxergar as luzes dos 18 andares acima de nós refletidas no teu rosto. Existe algo de bonito no mexer das pernas, no tocar dos dedos para fugir do frio. Nos fios de cabelo que sobram em nossos travesseiros, no hálito quente do teu bom dia, em levantar se arrastando pelo corredor, de preguiça, da vontade de ficar ali muito mais que as horas que, na minha mente, se transformaram em meros minutos.

Tomando o café entre fumaça, sorrisos e olhares baixos, fingindo não ver o dia correr, fingindo não fazer planos. Vamos nos entregar aos poucos ao susto, a não saber aonde chegaremos. Sem medo, porque, bem ou mal, conhecemos o caminho. Conhecíamos há muito tempo; apenas não tínhamos encontrado quem nos levaria até ele.

Toma a minha mão, eu te conduzo. E sei que farás o mesmo por mim, quando for preciso.

Pensei que nada nasceria na minha pele, no meu corpo, que nada brotaria, porque não havia quem pertencesse aqui. Que o cheiro grudado nos lençóis sairia cinco minutos depois da tua partida, e que a bagunça da cama se arrumaria num passe de mágica, para voltar a minha própria desordem, de cigarros, ironia e distração. Pensei que não havia ninguém para pedir, gritar, ansiar o amanhã, para sentir uma música, ler a lua, ouvir a noite chegar e admitir que, um dia, as coisas saíram dos trilhos e desobedeceram minha ordem para manter o controle. Lembro da surpresa de te olhar uma, duas, dez vezes, e me reconhecer em todas elas. O lado bom, me alegrei por encontrar. Mas não sabia que poderia ver em você até as sombras, de deboche, inquietude, impulsos, desconfiança, o que sei que é ruim e insisto em ignorar, mas que você me faz ver, só para que eu saiba que não posso fugir do que sou. Não posso fugir porque você está em mim.

Eu quero ver você saindo do quarto, buscando as roupas no chão, atrasado para sair, com raiva, com tédio, sendo distante, sentindo saudades, quero você para suportar a rotina, para não sufocar nos dias quentes, para explodir de desejo, para fechar os olhos durante as brigas e fingir que nada ouço. Quero você para me olhar como se eu fosse uma louca de hospício, quando digo que meu estômago revira no simples abrir dos teus olhos, no escuro das quatro da manhã.

Reviram-se as entranhas, a garota se revira. Está viva, afinal. E passa muito bem.