segunda-feira, 28 de abril de 2008

enxerto.

-Eu queria me apaixonar por você - disse a ele, me escorando na parede. Pedro riu.
-E por que não se apaixona?
-Porque não sei como. E não sei se você iria gostar de mim. Essas coisas só têm graça quando são de mão dupla.
-Claro.
-Você é apaixonado por ela?
-Pela Marcela? Não.
-Nunca foi?
-Não sei. Talvez não. A gente sempre foi muito amigo, desde os 15 anos, aí é fácil você ficar com uma pessoa assim, poupa o trabalho de sair por aí, pedir pros amigos te apresentarem alguém, procurar assuntos interessantes quando se conhece alguém que parece legal...
-Você não acha que isso é covardia?
-Falou a mulher que acabou de dizer que não sabe como se apaixonar.
Comecei a rir, ele me acompanhou. Acendeu um cigarro, pedi que me emprestasse o isqueiro. Pedro encostou na parede,o cinzeiro ficou entre nós.
-Nunca sei como essas coisas funcionam. Se fosse pra me apaixonar, eu deveria ter sentido alguma coisa logo que te vi, 'cê não acha?
-E não sentiu?
-Te achei bonito. Não senti tesão, de primeira, te achei charmoso, sabe? Mas digo algo mais profundo.
-Sei lá. E por acaso tem regra de como as pessoas se apaixonam?
-Acho que ninguém se apaixona bebendo cerveja, espantando o tédio com telefonemas fora de hora e indo pra cama uma vez por semana. Isso é moderno demais pra mim.
-O problema é que você quer colocar rótulo em tudo. E ainda é negativa e egocêntrica.
-Falou o homem que me disse que não sabia o que estava fazendo da vida. Isso é ser negativo.
-Isso não é ser negativo. É ser humano. O problema é que você se acha menos que todo mundo. Essa é a parte do negativa. E quer que todo mundo concorde. Essa é a do egocêntrica. Como é que você sabe que eu não ia gostar de você? Eu tô aqui, significa que gosto. Pelo menos um pouco.
-Você tá aqui porque nós... temos um affair... você é um homem comprometido e eu sou uma egoísta - tentei fazer cara de cafetina francesa ao pronunciar 'affair'. Pedro me deu a melhor expressão de frustrado que conseguiu.
-Você é tão egocêntrica que não quer se dar ao trabalho de descobrir o que eu penso. Se eu iria gostar ou não. Se valeria a pena fazer algum esforço ou se é melhor deixar as coisas como estão.
-Só acho que certas coisas se resolvem por si mesmas. Como isso aqui.
-E depois eu que sou covarde.
-Ok, já entendi, você tá doido pra que eu me apaixone.
Pedro apagou o cigarro, e tirou o cinzeiro da cama, se deitando em seguida. Perguntou se eu me incomodava em apagar a luz. Eu a apaguei e deitei de costas para ele. Pedro me puxou para si e me deu um beijo na nuca.
-Eu acho que você ia ficar tão apavorada se começasse a gostar de mim que ia acabar fodendo com tudo. Mas relaxa, eu já percebi que você é uma romântica. E do pior tipo, porque é daquelas que negam. Boa noite.
Dormiu com o rosto enfiado nos meus cabelos. Filho da puta.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

/adaptações, inconstâncias e dois canos fumegantes.

Eu quero amar você por dois dias, duas noites, poucos segundos, grudar minha boca no teu ouvido e te derreter de gemidos e desespero. Que eu vou morrer se não te amar. De fome, de sede, de cansaço, de desejo reprimido. Que eu vou doer se não te sentir. É falso, a gente sabe, mas é tão legal fingir que estamos interessados um no outro. Eu quero sumir, mas não esqueço da vontade de te ver. Eu quero chorar sem perder o traço do rímel. Beber sem borrar o batom. Purgar sem machucar por dentro. Eu vou morrer, de mentira, se não te amar. Paixão de mentira, nós somos reais apenas enquanto tua língua está na minha e o teu suor se espalha na minha pele.
Contei 15 fios do teu cabelo espalhados na minha cama.
O teu cheiro está no meu travesseiro e nos lençóis.
Estes já foram para o cesto de roupas sujas e em breve estarão de volta, puros, virginais. Os fios de cabelo, voaram pela janela, assim como as cinzas dos nossos cigarros e as lembranças de ontem.
Pra quê, se nenhuma delas valerá a pena daqui a pouco, se você não vai passar de um nome perdido na agenda do celular?

/agosto, 2007.