domingo, 14 de outubro de 2007

Eu atropelo duendes

Levantava depois de muitos toques do despertador. Arrastava-se até o banheiro. Lavava o rosto com o sabonete que removia oleosidade esperando que lhe levasse também o mau humor matinal. Escovava os dentes e gargarejava, livrando-se do hálito azedo amanhecido. Em outros tempos acenderia um cigarro em seqüência, abriria a geladeira e faria de uma coca cola livre de calorias sua primeira refeição enquanto passava um café para decretar de vez a falência de seu estômago. Mas hoje não. Há mais de três meses não fumava, como também evitava refrigerantes matinais, o café continuava o principal amigo e companheiro, mas era acompanhado sempre de um pão na chapa comido em alguma padaria no trajeto casatrabalho. Além disso, ao invés de dedicar suas noites a TV, computadores ou livros tinha começado a correr, não correr contra o relógio como havia feito a vida inteira, mas correr. Liberava endorfinas no organismo, deixar sair pela pele, como suor todos os problemas e angústias, todas as preocupações. Culpa das endorfinas ou não, andava mais feliz. Exceto por aqueles momentos repetidos todas as manhãs.

Não era o acordar cedo que aborrecia, nem o trabalhar, mas a simples constatação feita em uma mesa de bar por um amigo próximo: Passava três horas, quando não mais, dos seus dias úteis em engarrafamentos. Nas 21 que sobravam, dividia entre sono, alimentação, banhos, trabalho, estudos, malhar, jogar bola, supermercado, pagar contas, depilação, unha, cabelo e beijo na boca e sexo (ou não), lógico. Não há música que faça relaxar, nem a detestável rádio, nem Jazz, nem Blues, nem Pearl Jam, nem Pink Floyd. Nem música de Yoga faz com que se fique mais zen. Não há distração e nem borboletas que acalmem a alma. Não há mais como rir do que as outras pessoas fazem em seus carros enquanto o trânsito está parado como nos velhos tempos. Só há estresse e tensão. Só há a vontade de atirar no pé de quem o carro quebra e causa engarrafamento, por mais que eu sabia que a pessoa é isenta de qualquer culpa.

A loucura chega a um ponto em que desligar o ar condicionado, correr risco de assaltos e abaixar os vidros se torna uma opção. Masoquismo de quem quer sofrer com o calor e o barulho da cidade grande? Não. Apenas um desejo de se tornar menos solitário, dividir o ambiente de desespero com os outros personagens do drama diário que é a vida nas grandes cidades.