quarta-feira, 17 de outubro de 2007

'And i feel like i just got home...'

Nos últimos três anos, foram poucas vezes em que sentei diante do computador, ou de uma folha em branco, para sentir. Para descobrir. Resgatar. Por força do trabalho, da maior-desculpa-esfarrapada-de-todas (a falta de tempo), ou da pura preguiça, eu peguei o caminho mais rápido, e me limitei a descrever.
Descrever pessoas, ocasiões, eventos, ou mesmo a morte de alguém. Num dia mais calmo, a descrever como me sentia, de forma superficial. As palavras que eu usei nessas ocasiões não saíram do coração, ou dos pulsos, nem direto do sangue, que é de onde, creio eu, elas devem vir. Vieram de algum canto perdido na cabeça, sem emoção, nem muito capricho. Chegaram prontas, como um lanche do McDonalds. Basta pedir o número e, lá vem, uma matéria prontinha sobre as estatísticas de alunos repetentes, ou sobre as más condições de conservação das praças do centro da cidade. As palavras foram para o papel mornas, bastava um ventinho para que esfriassem de vez.
Agora, convidada a participar destes Melindres, olho para a tela vazia do Word, olho no espelho, olho para mim. Conto as estrelas tatuadas no meu pé direito. Troco a música a cada minuto. O pulso anda no ritmo normal, mas nenhuma palavra vem. Se eu cortar, o sangue vai sair, embora não seja garantia de que uma idéia virá junto. Nenhuma mostra de sensibilidade, de raiva, de fé, ou de puro descontentamento. Me sinto vazia de palavras, de assuntos, sem nada para partilhar, nem mesmo uma mentirinha boa que poderia render algumas linhas. Nada!
Será que isso acontece com todo mundo que arruma um emprego em que precise, invariavelmente, escrever? Será que eu nunca soube me expressar encostando os dedos nervosamente nesse teclado, e agora a fonte secou de vez? Me dediquei tanto a aprender as fórmulas, os métodos (‘pirâmide invertida’, bleargh!), a saber onde colocar os números e depoimentos, que esqueci daquela boa e velha vontade de escrever? Aquela, que ataca na hora em que desejo explodir o mundo, abraçar todas as pessoas que passam na frente, ou quando vejo a chuva bater nas samambaias? Ela se retraiu, passou a ser um mero impulso, que de tão rápido, já foi?
Posso estar errada por achar que escrever deve vir do sangue, do suor, do carinho nas costas que te arrepia o corpo todo, de cinco minutos de alegria, ou até da amargura que a gente detesta, mas sente. E posso estar errada por querer continuar a sentir isso, a escrever assim. Colocar as palavras aqui não é só um ato de descrever, e sim de sentir. Sentir alívio depois de vomitar centenas de frases que podem nem fazer sentido para ninguém, mas que para você valem mais que uma oração, ou uma sessão de terapia. Sentir a folha se pintar de preto, a letra torta, os rabiscos, mil exclamações, uma eventual lágrima que caia no papel. Sentir, tocar, resgatar o vermelho quando a sua vida parece ter entrado numa fase cinza-tons-pastéis sem fim. Descobrir que o coração ainda bate, mesmo que eu tente, de todas as formas, fazê-lo parar.