terça-feira, 20 de novembro de 2007

Mantra

Se tem uma coisa pior do que levar um fora de quem a gente gosta, é levar um fora de quem a gente não gosta. Tipo quando num belo dia você resolve pegar aquele carinha que não tem muito a ver, mas, ah não custa nada, vai que ele te trata bem e você ainda se sente livre de qualquer culpa de dar umazinha sem compromisso.
Aí ele te liga e te chama pra sair. Beleza. Você procura a roupa mais despojada e bonitinha possível, coloca umas gotas a mais de perfume e vai entoando o mantra “não vou dar hoje, não vou falar sobre como os homens não valem nada, não vou dar, não vou falar, não-dar, não-falar...”. É preciso ser, no mínimo, misteriosa para conseguir um homem que te coma e te compreenda sem ser seu namorado.
Aquela chuva, em plena quarta-feira, vocês no carro sem ter pra onde ir. Concentração não-dar, não-dar, não-dar. E obviamente ele pára numa ruazinha qualquer e começa a sessão de beijos, amassos, mãos e você não-dar, não-dar, não-dar. E ele te pergunta, “o que houve? Você não quer?”. Ah meu filho, claro que eu quero, mas porra vocês homens não prestam. Concentração não-falar, não-falar, não-falar.
Mas ele se mostra tão cordial e mente aberta que você acaba falando. E o papo flui, parece até que ele entendeu o que você quis dizer. E já que você falou, por que não dá logo de uma vez, né? E dá mesmo. Uma beleza. Achou um cara que te coma, te compreenda e ainda por cima nem é seu namorado.
Porém, apesar de ligar quase diariamente, o cara tá sempre cansado. Se não tá cansado agora, vai ficar cansado mais tarde por que ainda tem muita coisa pra fazer e até a hora de vocês saírem ele vai estar muito cansado. Você até começa a sentir cansaço por ele, de tão cansado que ele fica.
E entre uma cerveja e outra num bar com uma amiga, o zé te liga, cansado. Sob efeito da bebida a única coisa que vem a sua cabeça é exatamente o que você fala. “Ih você tá sempre cansado hein, desse jeito tá foda”. Aliás, não tá foda, esse é o problema.
E ele responde com toda malandragem que um homem é capaz de ter: “ah, para de show”. A frase ecoa. E sua única reação é rir. E completa com um tá bom, beijo, a gente se fala.
Ele só te comeu uma vez e nunca te compreendeu. É claro, ele nem era seu namorado.